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sexta-feira, 17 de julho de 2009

O Assassinato do Rato Nonato- Parte 1

Nunca me senti muito agradável em falar de mim em primeira pessoa. Isso me causa uma impressão muito forte de egoísmo. Até porque (como meu amigo filósofo Rafael me falou certa vez) se você reparar bem, em todas as conversas abundam os "Meu" , "Minha", "Eu", "A gente".
Além do narcisismo não me agrada falar de fatos e sim de ideias.
Passo a me contradizer a partir de agora, começando a contar a trágica epopeia de Rafael ( eu, não o meu amigo filósofo citado anteriormente):

"Rafael acordou de noite. A corrida no parque da Jaqueira, a qual não estava mais habituado , fatigou - o profundamente. Desde que entrara para a universidade Rafael parou com todos os esportes, especializando-se apenas na leitura e no hábito de fumar. Que (modéstia à parte) os executava com maestria.

Tirou o tênis, tomou um banho, colocou algumas músicas para tocar e foi dormir.
Acordou ás 7 ou 8 horas com um telefonema de sua tia pedindo-lhe para comprar cigarros na esquina de casa. Resmungou alguma coisa, voltou a dormir e esqueceu.
Rafael acordou apenas duas horas depois, com várias pessoas em sua casa conversando alto, como era hábito do seu irmão e de seus amigos .
Evitou o mal humor pois seu irmão tinha a perna engessada e também só tinha a intenção de tirar um cochilo. Mal sabia ele que seu pequeno cochilo seria tudo que dormiria aquela noite.
Depois de conversar, cigarros, uno, dominó, mais conversas e cigarros, todos se foram. Estava só.
A solidão sempre o deixou muito angustiado , devido ao seu caráter inventivo e sua imaginação hiperativa que mais o atrapalhava do que o ajudava.

Achou por bem ler um livro de história que seu pai comprou para ele, mas logo o largou por "Dom Quixote". Admirava profundamente o "cavaleiro da triste" figura e seu escudeiro realista e utilitário. Antes de ler decidira-se, nem tanto a Quixote nem tanto à Sancho, queria ser um sonhador com os pés no chão, queria que seus "sonhos" encantassem, acalentassem e fizessem as pessoas pensar. Mas ele estava muito inquieto e seu pensamento estava longe, tão longe, tão angustiado e tão pulsante que só Álvaro de Campos podia expressar-lhe o que sentia. Passou a madrugada e a maior parte da manhã lendo poemas sobre a vida, a morte, e todo o resto que situa-se entre as duas.

Adorava Pessoa, seu jeito de escrever e mais especificamente a forma como descrevia o fumar, o fogo, a fumaça e seu malabarismo ao se dissipar, Rafael criava momentos de uma beleza única e efêmera. Suas tragadas em meio às letras davam um ar erudito que muito lhe agradava. Sentia-se um gênio, escrevendo seus poemas medíocres ao amanhecer, inspirando-se nos grandes mestres.

Apesar de ótimo leitor, era um péssimo escritor. Seus poemas só lhe agradavam ao escrever, pois não sabia fazê-lo, ao lê-los , rasgava- os imediatamente. Se era crítico com o que lia, o era ainda mais com o que escrevia.

Alguns poemas depois acordam sua mãe e seu irmão (o que não estava com o é engessado).
Como de costume queixaram-se da falta de dinheiro e outras coisas triviais. Ele os estimava como a gênios. Gênios que falavam coisas triviais no café da mana e que, muitas vezes, utilizavam-se de sua genialidade fazendo valer seus "direitos" na hierarquia familiar. Mas eram gênios, e Rafael só não lhes tinha mais afeto por amor próprio.

Rafael fez o café, lavou a louça, foi ao caixa eletrônico, satisfez os algozes de suas economias e foi intreter-se no computador. Lá, Saramago, Camus e Dostoievski mantiveram sua baixa auto-estima de escritor que não conseguia escrever.
Após uma ou duas horas (a internet é um portal do tempo como o shopping, no qual os relógios mal podem mensurar o que quer que mensurem) o telefone toca. Sua tia começa a contar-lhe que havia um rato preso em seu quarto:
-"Tu tens coragem de matá-lo?" Perguntou ela com sua conjugação verbal perfeita, típica de uma educação castradora que não permite que os filhos falem a língua da mesma forma que o povo por consideraram "errado", "uma linguagem menor.". Rafael hesitou. Queria ser prestativo para com seus parentes, mas não podia deixar de lado seus princípios éticos e morais. Fora vegetariano por quase cinco anos e seu respeito pelos animais impressionava pela vêemencia com que argumentava sua defesa.
-"Mas isso é passado - pensava consigo - sou um homem sem utopias, nem ideais, se minha tia precisa que eu o faça, eu o farei". Após hesitar brevemente concordo prontamente em matar o indefeso animalzinho: "Tá bom, vou me arrumar e vou p'rai".

2 comentários:

Marcelo disse...

"a vida, a morte, e todo o resto que situa-se entre as duas."

Unknown disse...

hauhauhauahhahahhaha
Adoreii miguis! =)
Quero ver a segunda parte!
=*